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CASO MIGUEL: Três anos após morte de menino no Recife, mãe continua cobrando por justiça

Sarí Corte Real, condenada a oito anos e seis meses de prisão, segue em liberdade. Justiça ainda não analisou recursos

Mirtes Renata permanece fazendo mobilizações para que ex-patroa seja responsabilizada pela morte de Miguel – FOTO: AMANDA REMÍGIO/TV JORNAL

Diariamente, ao acordar, Mirtes Renata de Souza tenta criar forças para levantar da cama e seguir com a vida. Não é tarefa fácil, segundo ela. Três anos após a morte do filho, Miguel Otávio Santana, 5, que caiu do nono andar de um prédio de luxo no Recife, a saudade e o clamor por justiça não diminuem.

“São três anos sem o meu neguinho. São três anos de saudade. Não é fácil a ausência, não é fácil a luta. Estou fazendo acompanhamento psicológico. Só queria que a justiça fosse feita para eu ter um pouco de paz”, afirmou Mirtes, em entrevista à coluna Segurança.

Nesta sexta-feira (2), exatos três anos após a morte de Miguel, haverá um ato, com concentração em frente ao prédio onde o menino caiu, conhecido como “Torres Gêmeas”, no Cais de Santa Rita, área central do Recife. A partir das 14h, com cartazes e faixas, familiares, amigos e representantes de entidades de direitos humanos sairão em caminhada até à sede do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) para cobrar agilidade do julgamento dos recursos em segunda instância relacionados à condenação de Sarí Gaspar Corte Real.

Em maio do ano passado, a ex-patroa de Mirtes foi condenada a oito anos e seis meses de prisão pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte de Miguel. Mas teve o direito de recorrer em liberdade.

No dia da tragédia, Mirtes, que trabalhava como doméstica na casa de Sarí, precisou levar o filho porque a creche não estava funcionando devido às restrições da pandemia da covid-19. À tarde, a mãe de Miguel precisou descer com o cachorro dos ex-patrões. O menino, que estaria agitado, foi até o elevador dizendo que iria encontrar Mirtes. Sarí, que estava pintando as unhas com uma manicure, foi até ele e tentou impedi-lo.

Miguel Otávio, de 5 anos, morreu após cair do nono andar de um prédio de luxo na área central do Recife, em 2 de junho de 2020 – ACERVO PESSOAL

Depois de tentativas, como aponta perícia feita nas imagens da câmera de segurança, Sarí apertou o botão da cobertura, antes de deixar a criança sozinha no elevador. Ao sair do equipamento, no nono andar, o menino passou por uma porta corta-fogo, que dá acesso a um corredor, e escalou uma janela de 1,20 metros de altura. Ele chegou a uma área onde ficam os condensadores de ar e, logo depois, caiu de uma altura de 35 metros.

Na sentença que determinou a condenação, o juiz José Renato Bizerra, da 1ª Vara dos Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital, destacou que, ao abandonar a criança sozinha no elevador, Sarí voltou para fazer as unhas com a manicure que a aguardava em casa.

“Sobre os motivos do crime, o imediato foi a acusada Sari abandonar à criança para retornar à manicure, um motivo fútil, sentar-se à mesa, entregar uma mão àquela, ou a manicure tomar-lhe a mão, usando a acusada apenas uma para telefonar à mãe de Miguel, um comportamento inapropriado ante a urgência e a emergência do caso”, disse.

CASO MIGUEL: COMO ESTÁ A ANÁLISE DOS RECURSOS NA JUSTIÇA?

Sarí Corte Real foi condenada pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte de Miguel – Yacy Ribeiro/JC Imagem

Após a condenação, a defesa de Sarí Corte Real impetrou recurso de apelação, alegando que ela não cometeu crime. Já os advogados de Mirtes pedem o aumento de pena. Os pedidos estão sob análise da 3ª Câmara Criminal do TJPE, ainda sem prazo para julgamento.

“No mês passado estivemos no tribunal para cobrar. Fomos informados de que a relatoria estava perto de ficar pronta e que depois seria enviada para revisão. Nossa expectativa é de que o julgamento aconteça entre agosto e setembro”, disse Mirtes.

O advogado Pedro Avelino, que faz a defesa de Sarí, explicou que o Ministério Público apresentou dois posicionamentos em relação aos recursos de apelação, que serão julgados na mesma sessão.

“No primeiro posicionamento, o procurador deu parecer por dar provimento à apelação de Mirtes e por negar provimento à apelação de Sarí. Depois, no último mês de abril, outro procurador apresentou posicionamento por negar provimento às duas apelações. Mas são apenas manifestações, porque a decisão final é dos desembargadores”, afirmou o advogado.

“O processo está pronto para ser julgado. Estimo que isso acontecerá no segundo semestre”, completou.

Em nota, a assessoria do TJPE informou que “que não pode passar informações a respeito de recursos interpostos, pois os mesmos se encontram em segredo de justiça”.

CASO MIGUEL: PROCESSO PEDE INDENIZAÇÃO PARA FAMILIARES DA CRIANÇA

Além do processo criminal, Sarí Corte Real também responde a processo na esfera cível. Uma ação ajuizada pelos pais e avó materna de Miguel pede uma indenização de R$ 985 mil por danos morais e materiais.

A audiência foi realizada em agosto de 2022, mas não houve acordo entre as partes. Testemunhas indicadas pelos advogados da família de Miguel e de Sarí Corte Real foram ouvidas.

O processo estava parado na 3ª Vara Cível da Capital desde setembro. No começo da semana, após a coluna questionar o TJPE sobre a demora no andamento, houve um novo despacho do juiz Júlio Cezar Santos da Silva.

O magistrado determinou que Sarí informe à Vara sobre a mudança de endereço residencial. E determinou que, no prazo de 15 dias, as partes apresentem as alegações finais para que, após isso, a sentença seja publicada.

ESQUEMA DE FUNCIONÁRIAS FANTASMAS

Sarí Corte Real é esposa do ex-prefeito de Tamandaré Sérgio Hacker (PSB). Na época do caso, Mirtes e a avó de Miguel trabalhavam na casa do então prefeito, mas recebiam como funcionárias da prefeitura. A informação foi revelada pelo JC.

Após a denúncia, o Ministério Público instaurou uma investigação, descobriu que outra empregada doméstica da família também era funcionária fantasma da prefeitura. Além disso, a mãe e a avó de Miguel ganhavam até gratificação por produtividade, mesmo sem trabalharem em Tamandaré.

Em março de 2021, a Justiça do Trabalho sentenciou o ex-prefeito de Tamandaré e Sarí a pagarem R$ 386 mil por dano moral coletivo por irregularidades trabalhistas.

Na ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT-PE) destacou que as empregadas foram privadas de diversos direitos, como o não recolhimento previdenciário e de FGTS; horas extras trabalhadas sem remuneração; não fornecimento de vale-transporte e, na ocasião do fim do contrato, o não pagamento de verbas rescisórias.

Houve recurso da defesa, mas, em junho de 2022, a Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região manteve a condenação. O dinheiro da indenização é destinada ao Fundo de Amparo ao Trabalhador ou em favor de entidade pública ou filantrópica indicada pelo MPT-PE que atue em benefício social.

MIRTES, AOS POUCOS, RETOMA A VIDA

Enquanto luta por justiça e acompanha frequentemente o andamento dos processos envolvendo o nome da ex-patroa, Mirtes tenta retomar a vida. Atualmente, cursa o 5º período de direito. Também está trabalhando no gabinete da deputada estadual Dani Portela (PSOL), na Assembleia Legislativa de Pernambuco.

“Está sendo bem corrido, principalmente nesse período que é final de semestre, com as provas. Mas estou conseguindo conciliar”, contou.

Mirtes reforçou o apelo para que as pessoas participem do ato “3 anos sem Miguel, 3 anos sem justiça”. “A luta é para que a Justiça julgue os recursos e que Sarí seja presa. Se possível vá de trajes na cor azul ou branca”, disse.

Por JC Online

Da redação

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